segunda-feira, 17 de junho de 2013

Nas Ruas

Bastava abrir uma cerveja num bar qualquer ou apenas um suspiro impaciente durante a espera infinita de uma fila, para escutar de um transeunte, as mesmas velhas reclamações: “esse país é um absudo”, “brasileiro é trouxa mesmo”, “ ninguém quer saber de política, só de futebol”, “ninguém faz nada, ninguém reclama”. Todas essas conversar, repetidas e revividas com diferentes protagonistas e vilões, teve sempre o mesmo fim. Um sentimento de injustiça e indignação, um grito entalado na garganta e uma sensação de desengano. De estar fadado a um destino de infortúnios.
Pois bem. Em plena Copa das Confederações, véspera de Copa do Mundo, estamos mostrando que não somos trouxas e pacatos. O Movimento Passe Livre, já se manifesta em SP faz um tempo. Porém a atitude da PM representando a resposta do estado às reivindicações, demonstrando total falta de consideração, diálogo e respeito às pessoas foi um tapa na cara dos Brasileiros. Ou melhor, um tiro de bala de borracha na cara. Os sentimentos tantas vezes vividos e acumulados nos pontos de ônibus, nas filas do posto de saúde, na violência diária civil ou policial, na violência da pobreza e em tantos incontáveis momentos extrapolaram os limites da pele e o grito preso, libertou-se.
Gostamos de futebol, sem dúvida. Mas o futebol não nos leva e traz ao serviço. Não nos atende no hospital. Não educa nossos filhos. Todos nós brasileiros temos plena consciência disso. Sempre foi uma distração. Uma maneira de pararmos um pouco de pensar nas mazelas do dia-a-dia e descansar o coração pesado de sofrimento com uma futilidade. Agora, o maior tiro no pé da política, o “pão e circo” mais ineficiente da história provou o ponto. Colocamos em cheque, (não apenas no Brasil, é uma tendência mundial) a efectividade da tão prometida democracia. Na época da monarquia, os Inconfidentes reagiram ao ‘Quinto’ que era pago à coroa, acreditando ser um abuso. Hoje, pagamos um democrático imposto de 40%, o dobro, obrigatório sob o risco de violência. Portanto, estamos nas ruas exigindo os resultados prometidos por essa ideia mágica, que até então, apenas nos iludiu.
Pode ser que nada mude, pode ser que isso não leve a lugar nenhum, infelizmente. Porém, não resta dúvida de que aqueles que estão no poder e nos vigiam pensarão duas vezes antes de desafiar e tratar feito idiotas toda uma população. Ademais, mostra um meio prático e eficiente de exigir mudanças, exigir que sejamos tratados com respeito. A principal modificação antes que alterações concretas ocorram, é cultural. Isso está acontecendo. Por volta de 1700 os EUA era uma das nações mais pobres do mundo. Mas a guerra de independência e os eventos que se seguiram, influenciaram os valores políticos e econômicos da cultura americana, que abriu precedentes para o tremendo avanço de tal nação. A ideia de que a democracia tem necessariamente que ser participativa, que não é apenas votar uma vez por ano, seria o maior fruto do presente movimento. Portanto, não me resta senão, ficar cheio de esperança. Estamos de saco cheio, e mais unidos do que nunca. Se esse ultraje contra o povo continuar, a Bastilha irá cair. Cabeças hão de rolar.


quinta-feira, 30 de maio de 2013

Uma língua

Uma daquelas semanas, em que todas as tarefas postergadas durante o semestre acumulam para serem resolvidas em poucos dias. Dormindo mal e comendo pior, o cansaço colocava em dúvida a minha capacidade de manter o ritmo. Quinta-feira, 21:30 na estação a espera do metro. A cabeça lutava para racionalizar tudo que ainda faltava, mas de certa forma aliviada pelas tarefas já resolvidas.
Andando em meio às pessoas impacientes pelo veículo que nunca chegava, seguia uma miúda, como dizem por aqui. Passos curtos e ligeiros, tentando acompanhar a mãe, devia ter por volta de 4 a 6 anos de idade. Observando tudo e a todos com um interesse que só as crianças têm, antes de se tornarem enfadonhas e chatas como o resto de nós. Passou, me encarando. Minha mente sobrecarregada e agora mais ainda com a tarefa de questionar quanto tempo levaria para que finalmente alcançasse o sono, tentou sem sucesso entender o que aquele olhar significava. E antes que chegasse a qualquer conclusão, a expressão da face a minha frente se altera, e ela me mostra a língua. 
Aquele gesto me acertou. Fiquei um tempo pasmo pelo trato de desdém a que fui submetido, e não tive outra reacção senão rir com vontade. Eu, concentrado nas minhas ocupações presumidamente importantes, recebi, por obra da eventualidade, a resposta da devida relevância de meu ofício.

Foi a interacção humana mais sincera que tive em dias. 

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Em defesa da vadiação


Não é novidade para ninguém que a cultura tem um peso enorme em nossas ações e ideias. O que impressiona é como algo intangível nos influencia ao ponto de termos como certamente nossos, valores que nos foram introduzidos imperceptivelmente. Com o feriado, uma amostra de tal valia, acabou por revelar-se.
Por mais que passe dias de folga lendo, escrevendo, desenhando, tocando violão, assombra-me um sentimento de inutilidade. Como se não estivesse produzindo nada. Como se fosse meu dever como ser humano nessa terra, produzir alguma coisa. E pior, como se o que eu faço com meu tempo livre fosse não apenas absolutamente irrelevante, mas também de alguma forma, prejudicial.
Mesmo que ler, escrever, tocar um instrumento musical, realizar tarefas domésticas ou até as ocupações mais supérfluas como passar o dia deitado assistindo desenhos animados sejam fundamentais para crescimento cultural e qualidade de vida, é fatal a sensação de vadiagem e procrastinação. Porque não há horários a serem cumpridos, não estou executando tarefas, obedecendo a ordens e ninguém irá avaliar meu desempenho. O tipo de função que ocupa nosso tempo, gerando a sensação de que somos importantes e necessários. Ledo devaneio. Jamais desperdiçarei tantos dias quanto no trabalho ou em todos os níveis escolares que me atarefam desde sempre.
Porém ao ponderar, percebo que o pior de tudo, não é o sentimento de inutilidade que citei inicialmente. E sim o de culpa por não compartilhar o juízo de que eu deveria me preocupar em ser eficiente. Como se cada minuto do meu dia deva ser empenhado em algo que obtenha um resultado tido como relevante por outrem, que possa ser exibido para que prove o meu valor. Pudesse eu viver de vadiação, o faria. Se bem que se me conheço, até nisso seria incapaz de me dedicar com afinco. 

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Até longo meu amigo.


E em um segundo secular,
Você sente que tudo mudou.
Que a terra já não é mais redonda.
Não que as dificuldades e afazeres corriqueiros,
tenham ficado piores.
São os mesmos de sempre. Com a mesma exigência
e empenho.
Mas agora, está sozinho.
E não nada que faça tudo ser mais penoso e triste
do que estar sozinho.
O que dava graça e beleza às horas
se fora.
E você, mesmo sem querer,
principalmente sem querer,
Se vê obrigado e endurecer.
Já não há mais tanto riso.
Nem mesmo lágrimas.
É endurecer, ou desistir de tudo.
Até logo, meu amigo.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

E vc, está 'Serto'?


Sempre que escuto ou leio um discurso ideológico, que defende um posicionamento qualquer, me impressiona como ambos os lados se assemelham na maneira de defender suas ideias. É quase unânime quando se trata de assuntos polémicos usar o argumento ad hominem, de que aqueles que não compartilham o mesmo ponto de vista defendido, o fazem por serem ignorantes e/ou porque são manipulados. Já que defendem, pra todos os efeitos, a verdade. Parece provável que tao preposição seja verídica em alguns casos, pelas devidas razões. Mas não em todos, ou em tantos. Ainda mais se tratando de assuntos cuja verdade não é tão simples de ser encontrada.
Podem dizer que é óbvio que alguém vá defender uma causa apenas se fizer sentido, se parecer verdadeira. Claro. Mas o problema não está em defender uma causa, qualquer seja ela. Mas em fazer dessa ideia um dogma. A preposição então, não é apenas verdadeira mas inquestionável. De forma que todos que não a defendem, só o podem fazer, não pela possibilidade de estarem certos, mas porque ignoram a “verdade”. A partir deste ponto, sua ideologia se tornou uma religião.
A falha de raciocínio lógico em tal caso, é mais fácil de ser entendida do que percebida. Ainda mais laborioso, evitá-la. O processo de religionização ocorre porque ao invés de fazer uso da razão para fundamentar a ideia, a ideia é usada para fundamentar a razão. Esse é o grande perigo de fazer parte de grupos ideológicos. Quando levanta uma bandeira, o indivíduo aceita todo um conjunto de valores e ideias, sem questioná-los. Afinal, quem que questione tais ideias de um grupo, irá fazer parte dele? E qual grupo irá aceitar um membro que o questione?
Mas existe uma razão simples para aceitar ou referir uma ideia como verdadeira precipitadamente. Nomeado pela ciência de “Efeito Dunning-Kruger”.  Um fenómeno em que indivíduos que sabem pouco sobre um assunto, acreditam saber muito, ou mais do que aqueles que realmente conhecem. Todos nós temos um exemplo prático de alguém que se porte dessa maneira. Mais complicado porém, é perceber quando esses indivíduo é você mesmo.

sábado, 9 de março de 2013

Como estar sempre Serto (com 'S' mesmo)


É fácil ter razão. É fácil dizer ou escrever algo que a maioria vai concordar e apoiar. Pouco é preciso para que aclamem sua inteligência, perspicácia e sensibilidade. Conquistará a todos, e por incrível que parece, conseguirá até convencer alguns da veracidade de ideias anciãs. Basta usar tom de protesto e reclamar da situação dos pobres. Esqueça os dados e não tente ser muito preciso. Não reclame de algo particular da Vila do Acaba Mundo em Belo Horizonte ou dos arredores de Jequitinhonha-MG. Esqueça. Fale dos “pobres”, ou dos “moradores das favelas”. Se quiser inflar ainda mais seu lado humanitário, reclame da situação da favela do mundo. A África. Sim, como se fosse um país mesmo. Formado por pessoas raquíticas esfomeadas que moram em vilas tribais no meio da savana.
A mesma linha de raciocínio pode ser usada para diversos contextos, para você não precisar falar sempre do mesmo assunto e acabar parecendo um idiota. Mude o alvo. Troque “os pobres” para qualquer outro “oprimido” (e esse é um bom termo, anote). Defenda os camponeses (fica um pouco melhor do que ‘trabalhadores rurais’), os negros, os povos indígenas, os gays, as mulheres, o meio ambiente. Não esqueça de se dizer socialista, ou melhor um pouco, Marxista. Deixe claro que apenas deseja que todos fossem tratados como iguais, mas crie rótulos e levante bandeiras. Afinal, o que essas pessoas precisam é de teóricos que deixem bem claro o quanto a situação delas é ruim.
Claro que os problemas precisam de causas. Não se preocupe, não é agora que lhe exigirão sentido. O maniqueísmo é uma ferramenta precisa e serve com eficiência. Assim como toda essa linha de pensamento, é um modelo simples: demonize a antítese daquele que defende. Culpe, não sem demonstrar indignação, o capitalismo, os ricos, a mídia, o governo, os políticos e o fato de que ao contrário de você, as pessoas são ignorantes, mas apenas vítimas, impedidas de pensar por própria vontade por interesses perversos. Exponha que a solução é fácil: As pessoas deveriam ser mais sensíveis e tolerantes umas com as outras. Enfatize que se todos compartilhassem sua visão, os problemas seriam resolvidos. Não tolere quem discorde ou pense diferente e não perca a oportunidade de moraliza-los, logo que qualquer um que não concorde com você, é ignorante e/ou defende interesses espúrios.
Finalmente, participe de manifestações e poste fotos nas redes sociais para provar que você não só fala como faz. Demonstre sua insatisfação pelo número pequeno de participantes. Critique a postura de todos que estão alheios ao seu exemplo, ou seja, “o povo”, “as pessoas”. Porque são pobres imbecis manipulados ao bel-prazer das grandes corporações. Abuse de frases de efeito e citações. Evite usar o termo ‘sistema’. Caiu em desuso até pelos mais néscios.
Pronto. Sua inteligência e seu modo de pensar diferenciado serão consagrados por todos à sua volta, e você se tornará um ícone para os que lutam por um mundo melhor. Além do mais, estará provado que você não é mais um que está sendo manipulado e que deixa as injustiças acontecerem. Não tenha medo, é tão singelo quanto parece. Com garantias de que funciona, afinal, é um discurso que está em uso por pelo menos 200 anos. 

sexta-feira, 1 de março de 2013

A madrugada


A madrugada me desperta sem sono
as mesmas perguntas de sempre
novamente me assombram.
Resolvo acender um cigarro.
não para pensar nas respostas
Mas para evitar de pensar nelas.
Meu estômago já tão massacrado
por álcool e café
Não demora a reclamar.
a fumaça rapidamente
empesteia o o quarto
e imediatamente arrependo
da minha decisão.
Mas não antes de terminar o cigarro.
Já são 6 e 15.
Tarde demais pra dormir.
Cedo demais para levantar.
Tenha um bom dia, diz o dia. Em tom de deboche.
Vai se fuder. Eu respondo com sinceridade.
E permaneço imóvel
até não aguentar mais.
Mas eu sempre aguento.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Um dia como outro qualquer



Sim. Esperava o velho cliché de um dia como outro qualquer. Mas na verdade, fora um tanto pior. Demorado, mesmo para uma quinta-feira. O sentimento de incompetência profissional e fiasco pessoal eclodiram quase que ao mesmo tempo nas bravatas rudes do chefe e ao descobrir, por acidente, que o antigo (e nem por isso menos eterno) amor estava noiva de um qualquer. 
Resignado, ao menos já estava em casa. A fome remanescia extinta, mas não faria falta. De fato, havia muito para ser digerido hoje. Arranca as roupas na sala mesmo, logo que chega. Afinal, não há mais ninguém em casa. Não há mais ninguém em canto algum. A camisa molhada de lágrimas e suor, a calça amarrotada e no corpo por mais de uma semana, se mostrava tão liquidada quanto quem a usava.
Sentado no vaso sanitário, se vê burro, velho, disforme e falido. No momento, não sente em nada diferente da matéria fecal que suja a porcelana alva. É apenas uma extensão de seu corpo. Sem forças para acreditar em mudanças positivas, se pergunta se as coisas podem ainda ficar piores. Mas o velho axioma mostra-se plausível, quando um som mata o silêncio sepulcral do banheiro e ao girar o rosto, um segundo antes das luzes se apagarem, vê a maçaneta dar meia volta...


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Então imaginemos a cena: Um indivíduo, depois de um mês em estado de coma, acorda hoje, subida e inesperadamente. Passados os momentos de reencontro e emoção com a família e amigos, questiona sobre os acontecimentos que perdera no tempo em que esteve inconsciente.
- E então, o que aconteceu de novo nos últimos 30 dias?
- Bom, eu comprei um carro 0 Km, caiu um meteoro na Rússia, o Papa renunciou e a Coreia do Norte fez um teste de uma arma nuclear. – Responde aquele amigo zombeteiro que todos temos.
- Está bom. E você quer que eu acredite em você?
- ahahahaha. Estou brincando. Não comprei um carro.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Ah o Progresso....


O mundo contemporâneo é maravilhoso! Pense bem, tudo está disponível de acesso fácil, pronto para nos ajudar, diminuindo nosso esforço e aumentando nosso tempo livre. Imaginemos como seria laborioso algo tão banal como nos alimentar. Cada folha, cada grão, cada vegetal, deveria ser cultivado e colhido. Meses para chegar ao resultado de uma trivial cenoura, mirrada e raquítica, em nada comparada com as encontradas no supermercado. Carne? Quem nunca participou de um abate de porco no interior de Minas não imagina o quanto é trabalhoso. Isso sem contar a cria do animal em si. As galinhas hoje demoram cerca de 28 dias para ser abatidas gordas e suculentas. No sítio, com 28 dias, o pinto nem pena deve ter. Nada disso nos importuna. Não mais. Basta andar poucos quarteirões de carro e obtemos tudo pronto. Ou se preferir, comprar pela internet. Sem nem mesmo ter que sair de casa. Grande economia de tempo e esforço!
Já imaginaram costurar as próprias roupas? Isso considerando o avanço de ter o tecido pronto. Nem quero saber o longo processo envolvido do plantio do algodão até obter o pano trançado. Apenas para ilustrar o quão simples nossa vida é hoje, comparada com a de alguns séculos atrás. Tudo demandava muito esforço e tempo. Mesmo as coisas que nos são banais. Roupas, comida, calçados, materiais de higiene, utensílios domésticos. Para andar poucas centenas de quilómetros levavam-se dias!
E os filhos então? Criar todas aquelas crianças, pois não havia métodos para evitá-las. Aquele bando gritando, chorando, aprontando. E ter que conseguir roupas, comidas, calçados… Por sorte a falta de medicina e higiene livrava o peso de algumas. Hoje temos lugares especializados para tomar conta mesmo que de um recém nascido. As mães não mais se sufocam com isso. Podem trabalhar em paz. Depois disso, as escolas cuidam da educação deles praticamente até a idade adulta. Nos sobra mais tempo.
Tanto tempo e esforço que poupamos! Tanto tempo que economizamos com afazeres banais! Poupamos para… Agora temos tempo para… Para poder trabalhar em coisas mais divertidas! Para poder ficar 8 horas por dia, 6 dias por semana, 11 meses por ano no escritório. Mas não é só isso, estou exagerando como sempre. Fora isso nos sobra tempo, realmente. Dinheiro também. Assim podemos comprar televisores, computadores, vídeo games e celulares para nos entreter no nosso tempo livre. Podemos ir ao shopping perder horas escolhendo nossas roupas e utensílios. Agora sim, temos coisas com as quais vale a pena passar o tempo. Ah o progresso…