sábado, 29 de maio de 2010

Penso, logo hesito.

Acredito na dúvida. Mas não em uma dúvida descontrolada e dogmática. Não em uma dúvida universal, ou em uma crença no desconhecimento. Porque certezas existem. Mas as certezas não podem ser inquestionáveis. É aí que cabe a dúvida. Uma dúvida infinita, em tempo não intensidade, de que as coisas podem não ser assim. Que por um momento, por um evento probabilistico, podemos estar vendo as coisas de forma equivocada. A existência da dúvida deve ser aceita.
A crença em Deus, e nas religiões nos entregam verdades universais inquestionáveis. Verdades prontas. São verdades que assumem ter, mas não tem. E muito incoerentes e sem sentido, diga-se de passagem. Mas que as pessoas engolem de uma forma assustadoramente fácil. Abrem mão de suas opiniões e julgamentos. Abrem mão de pensar racionalmente sobre os fatos, e isso necessáriamente acaba entrando em um ponto, que interfere negativamente na vida e nas verdades universais de outras pessoas.
E isso não existe somente na religião. Isso é em tudo. Tudo e todos parecem ter razão. Eu mesmo sou um que assumo um ponto como se fosse a maior verdade do mundo. Mas estou aberto mudar de posição se existir uma base racional, ou se aparecer uma evidencia nova a respeito do assunto. Todos vendem suas verdades. Religião, livros, jornais, revistas, televisão, críticos,internet, autoridades. Mas o questionamento deve ser constante. Ainda mais nos tempos globalizados, tem que ter muito espírito de luta para se livrar do bombardeamento de mentiras enfeitadas. Mas persisto.
Contudo, vamos colocar os pés no chão, e fazer uso do senso crítico. Quando falo da existência da dúvida, é de forma a otimizar o conhecimento, e manter nossas cabeças abertas para mudanças na forma de ver o mundo. E não ficar duvidando de tudo quanto é bobagem, e aceitar todas as possibilidades existentes como possíveis. Porque é comum um bando de idiotas afirmar a falácia de que quando não se pode ter certeza sobre algo, todas as possibilidades devem ser levadas a sério. Estupidez pura. Os eventos na maior parte das vezes deixam poucas opções plausíveis que os expliquem. E mesmo se existir explicação no momento, que se mantenha assim até que surja algo convincente. Uma falha é necessária para se duvidar de uma teoria. Mas devem existir muitas evidências para aceitá-la.
Mas como eu ja disse, as pessoas não estão interessadas em verdades não. Estão mais preocupados com seus desejos mesquinhos suas ilusões e suas alegrias de curto prazo. Estão mais preocupadas como disse o gênio George Carlin, em "masturbar" o ego umas das outras. Uma mentira conveniente vale mais do que mil verdades.

domingo, 2 de maio de 2010

Tabacaria, Fernando Pessoa - Alvaro de Campos

TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(...)


Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(...)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

(...)
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.


Álvaro de Campos, 15-1-1928