quarta-feira, 14 de maio de 2014

Abalada

 
Tenho evitado pensar. Nunca ajudou-me em nada, apenas serviu para despir as virtudes de tudo e mostrar que a pele nua das coisas exibe não beleza, mas deformidades. Quando tudo que é externo perde o sentido e torna-se vazio, olhar para dentro igualmente não oferece saída. O ensimesmamento encarcerado mina a vontade. Se o que está ao alcance dos braços e dos sentidos nada nos oferece, ao olhar por trás dos olhos em busca de sauvação e abrigo choca-se com o demônio. O desespero abafa os sentidos e congela os músculos. Há de haver uma saída. Um recurso para afastar a mente de si mesma, e esse todos conhecemos: o vinho.
De tal maneira compreendido, não há muitos caminhos a seguir. Findar-se agudamente com veneno, ou lentamente com álcool. Rasgar os panos que cobrem tudo que o cerca, mas para isso há de se estar igualmente nu. Sangrando alvejado por todos que não toleram o ultraje de ter a linha que separa a pela da máscara questionada. Ou tornar-se estúpido dando atenção aos sentidos e sendo subserviente ajuntando-se ao rebanho. O último sendo o mais fácil e menos doloroso. Porém, a voz que grita em sua cabeça há de ser calada. E o que sobrará? Um corpo sem alma vagando pelo espaço. Sem brilho nos olhos e com movimentos automáticos robotizados. Sem dor, mas sem paixão. Sem dúvida e sem vontade. O teatro e a mentira não importam. A verdade, muito menos.
E quanto a mim? O que tenho feito? Adiado. Permaneço parado no tempo e espaço enquanto os anos correm, irresoluto, ausente de coragem, lasso, incapaz de seguir qualquer trilha. A tarefa aduz o risco em pensar. Onde mais podem nos levar nossos demônios senão para o inferno? Entre as diversas possíveis escolhas, a escolha que faço é não escolher. Enquanto isso percorro poucos metros em todas as direções possíveis experimentando e reservando aos sentidos o direito de deliberação, mas sempre garantindo a possibilidade de voltar ao ponto inicial. Infortunadamente, para ir longe, em algum momento há de se abdicar do caminho de volta.