domingo, 19 de setembro de 2010

Trato de Hipocrisia Recíproca

Todos nós vivemos o mesmo teatrinho. Acordamos cedo e logo ao abrir os olhos nos despedimos de quem realmente somos. Desse momento adiante, o que se apresenta ao mundo é a nossa persona dramática. Vestimos a roupa e a máscara que usaremos no dia, criamos nossos desejos, tanto os de longo prazo quantos nossos caprichos momentâneos. Criamos uma ilusão sobre quem somos, sobre quem queremos ser, sobre quem as outras pessoas são e sobre o que elas pensam sobre nos. Então nos dedicamos à tarefa de tentar mostrá-las que não somos quem eles pensam que somos, e sim quem nós mesmos imaginamos que somos, ou que deveríamos ser. A todo custo precisamos que acreditem nisso, porque nós mesmos precisamos acreditar. Não dá pra acreditar que cada um de nós não passa desse ser estúpido, limitado, sem virtude que se encara diariamente no espelho.
Então começa o espetáculo. Temos que esconder nossos defeitos e nossa falha de caráter a todo custo. Para ficar mais real, é necessário que acreditemos na personagem. Precisamos acreditar que somos honestos, que somos inteligentes, que somos leais, que somos honrados. Precisamos acreditar nas qualidades que nós não temos. ‘Não me peça provas além de minhas palavras, que eu não pedirei que você prove seus valores. Assim estamos combinados. ’ É o significado das trocas de olhares entre os seres humanos.
Percebemos também que algumas pessoas exigem de nós qualidades diferentes para que se mantenha o trato de hipocrisia recíproca. Negociamos as qualidades aceitáveis para se manter a relação. Isso em qualquer relação entre os Homo sapiens sapiens . Para algumas pessoas não faz diferença que a outra seja uma pessoa séria, mas exige fidelidade, ou então é irrelevante que seja justa, contando que seja divertida. E por aí vai. Vamos selecionando as características de nossa personalidade, nossas qualidades e defeitos e a do próximo de acordo com cada tipo de interação, de acordo com a conveniência. É óbvio como não somos a mesma pessoa com nossos pais, amigos, professores, namoradas. Estamos nos montando e remontando o tempo todo. Por isso ficamos com a sensação vazia de não saber quem somos ou o que queremos de verdade. Isso explica toda a confusão mental a cerca de nós mesmos. Porque no final das contas, não somos os atores que apresentam o espetáculo. Somos o diretor que está sentado invisível no fundo do teatro tentando organizar a apresentação. No fundo, conseguimos apenas interpretar ou ver os atores de cada um de nós. Podemos até dar um palpite ou outro durante a peça, porém dirigir é inacessível a nossa consciência.
Por isso também que não gostamos da verdade nua e crua. Quebra o trato de hipocrisia recíproca e coloca em xeque a nossa personalidade falsa e efêmera. A máscara é tudo o que somos, sem a máscara não somos nada. Portanto necessitamos de auto-afirmação. Precisamos masturbar nossos egos e os egos das pessoas de quem gostamos. Precisamos afirmar nossa superficialidade, porque é tudo que está ao nosso alcance e ao alcance das pessoas próximas a nós. Não critique a minha superficialidade, porque é tudo que eu tenho!

3 comentários:

  1. o oscar vai pra QUASE todos nos

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  2. Muito bom, porém tente esqueçer o vício de querer encontrar a ordem absoluta em tudo na vida, caso contrário seu meio-pessimismo se tornará uma estátua de bronze em uma praça pública

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