Tenho evitado pensar. Nunca
ajudou-me em nada, apenas serviu para despir as virtudes de tudo e mostrar que
a pele nua das coisas exibe não beleza, mas deformidades. Quando tudo que é
externo perde o sentido e torna-se vazio, olhar para dentro igualmente não
oferece saída. O ensimesmamento encarcerado mina a vontade. Se o que está ao
alcance dos braços e dos sentidos nada nos oferece, ao olhar por trás dos olhos
em busca de sauvação e abrigo choca-se com o demônio. O desespero abafa os
sentidos e congela os músculos. Há de haver uma saída. Um recurso para afastar
a mente de si mesma, e esse todos conhecemos: o vinho.
De tal maneira compreendido,
não há muitos caminhos a seguir. Findar-se agudamente com veneno, ou lentamente
com álcool. Rasgar os panos que cobrem tudo que o cerca, mas para isso há de se
estar igualmente nu. Sangrando alvejado por todos que não toleram o ultraje de
ter a linha que separa a pela da máscara questionada. Ou tornar-se estúpido
dando atenção aos sentidos e sendo subserviente ajuntando-se ao rebanho. O
último sendo o mais fácil e menos doloroso. Porém, a voz que grita em sua
cabeça há de ser calada. E o que sobrará? Um corpo sem alma vagando pelo
espaço. Sem brilho nos olhos e com movimentos automáticos robotizados. Sem dor,
mas sem paixão. Sem dúvida e sem vontade. O teatro e a mentira não importam. A
verdade, muito menos.
E quanto a mim? O que tenho
feito? Adiado. Permaneço parado no tempo e espaço enquanto os anos correm,
irresoluto, ausente de coragem, lasso, incapaz de seguir qualquer trilha. A tarefa
aduz o risco em pensar. Onde mais podem nos levar nossos demônios senão para o
inferno? Entre as diversas possíveis escolhas, a escolha que faço é não
escolher. Enquanto isso percorro poucos metros em todas as direções possíveis
experimentando e reservando aos sentidos o direito de deliberação, mas sempre
garantindo a possibilidade de voltar ao ponto inicial. Infortunadamente, para
ir longe, em algum momento há de se abdicar do caminho de volta.